Em dia de chá e tristezas ancestrais

Há dias em que o Brasil me cochicha coisas ao pé do ouvido — e nenhuma delas é boa.
Mas cochicha com intimidade, como só um país feito às pressas (por degredados) teria coragem de fazer. E eu, que tenho tendência a levar tudo para o pessoal, acabo acreditando que o sussurro é só para mim. Talvez eu mereça…

Penso, às vezes, que este país nasceu errado. Não apenas torto, mas torto com metodologia avançadíssima.
Construímo-nos com tijolos de gente escravizada e cimento de leis escritas por homens que, se estivessem na Europa, seriam proibidos de chegar perto de um cabrito, quem dirá de um parlamento. Mas aqui deram a eles títulos, honrarias, e espaço para legislar sobre moral e bons costumes. Só esqueceram de avisar que moral é substantivo que, quando dito por certos homens, vem naturalmente acompanhado de aspas… e da velha coreografia do “olho virado”, que chega embrulhada em conselhos inúteis e julgamentos com perfume de virtude.

E assim chegamos a este nosso século — cansado, descabelado, mal pago — tentando lidar com os frutos da árvore que plantaram. Uma árvore meio podre, que dá umas frutas estranhas com nomes igualmente estranhos: PEC da bandidagem, PDL da pedofilia, e outras sementes venenosas que brotam com a vitalidade das ervas daninhas.
A sensação que tenho é que o Congresso virou um grande jardim de plantas carnívoras: todas de boca aberta esperando a próxima distração do povo para morder mais um pedaço do país.

E enquanto isso, a juventude inventa movimentos novos — e dantescos — com uma crueldade engenhosa.
Red pills e outras cápsulas de delírios misóginos, que parecem saídas não de um laboratório, mas de um esgoto mental que alguém drena por hobby. É essa turma que vai governar quando os recursos naturais acabarem. Quando não houver mais água limpa nem árvore para sombra. Quando o Brasil tiver que sobreviver só de sua própria teimosia… e de memes, talvez.

Mas o melhor de tudo — melhor porque dá vontade de rir antes de chorar — é a burguesia classe média.
Essa burguesia tão barulhenta, tão cheia de certezas compradas no crediário, tão convicta de que faz parte do seleto grupo dos muito ricos… acha que pensar é item supérfluo, igual a torradeira de inox que comprou na Black Friday.
Foi convencida — não se sabe por quem — de que o problema do país são os que ganham auxílio do governo e remuneração precária.
E repete isso com tal devoção que até parece religião. Se fosse ao menos religião afro-brasileira, já teria incorporado algum espírito que a instruísse melhor.

Outro dia mesmo, meu vizinho — homem de gosto raro, sensibilidade apurada e aquele tipo de elegância que não faz barulho — veio tomar um chá aqui em casa.
Eu, otimista por esporte; a esposa dele, otimista por hábito. Tentávamos juntas encontrar qualquer fiapo de esperança no panorama nacional.
Falávamos de coisas pequenas, simples, feitas para consolar: um pôr do sol, um pão de queijo saindo do forno, a chance remota de que o país talvez se endireite por obra do acaso.

Ele nos ouviu com gentileza, aquela paciência digna de quem já entendeu o mundo antes dos outros. Olhava para nós com um meio sorriso — não de desdém, mas de quem reconhece a ternura da nossa insistência.
E então, com a calma de quem anuncia a previsão do tempo, repetiu apenas:

Mas… não tem mais jeito. Vocês sabem, né?

E era impossível discordar. Porque dito por ele, que sempre acerta o ponto do chá, a cor das paredes e os juízos sobre a realidade, a frase deixava de ser pessimismo para se tornar simples constatação.
E nós duas, que queríamos esperança, acabamos concordando: de fato, não tem mesmo jeito…

Quando a visita se foi — o pão de queijo frio, a esperança morna — senti uma espécie de lucidez cansada me atravessar.
Peguei minha agulha, meus fios, e comecei a bordar um panô para pendurar acima da cama.
Ponto atrás, ponto corrente, ponto cheio — tudo para tentar preencher um vazio que não é da linha, mas do mundo.

E bordei ali, com toda a suavidade possível, o poema de Quintana que me parece ser a mais honesta declaração de amor ao país:

“Estou triste porque vocês são burros e feios
E não morrem nunca…”

Suspirei, dei o último nó no avesso, e percebi que, se o Brasil fosse um bordado, já estaria todo embolado.
E mesmo assim — inexplicavelmente — continuo bordando…

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2 Comentários

  1. Maria Helena Lynch Steed

    Que trite. Li esse texto e fui dormir com a certeza de que meu país não tem jeito mesmo. Na verdade fui tentar dormi, por que meu coração estava pesado, meu corpo doído e tão desesperançoso!
    Que triste!

    • Oi Maria Helena, que bom ter você por aqui, mas que triste é a nossa constatação… a gente continuará fazendo o que pode, tendo alguma esperança nas pequenas mudanças e mantendo o bom humor – são coisas que atenuam a tristeza e frustração. O que não está nas nossas mãos não pode tirar nosso sono! Espero que noites melhores venham (pra todas nós). Beijo!

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