Clarice entrou em 2025 com o peito estufado de otimismo.
O Instagram da Sense Márcia, astróloga de confiança, dizia com todas as letras:
“2025 será O ANO dos geminianos.”
Saturno ia sair do lugar, Júpiter ia dar uma piscadinha cúmplice e o universo finalmente ia reconhecer o talento, o carisma e o drama mental dos nascidos em junho. Seria o momento dela!
Pois bem. Já estamos em julho, e Clarice segue exatamente no mesmo lugar de sempre, só que com menos dinheiro, acompanhada de quadros recorrentes de diarreia emocional provocada por insegurança financeira – um sintoma não descrito no horóscopo, mas perfeitamente compatível com a vida real.
Em março, numa tentativa desesperada de “fazer a sorte acontecer”, Clarice aceitou trabalhar no restaurante de uma amiga.
— “Vai ser legal, Clarice. Você cozinha tão bem!”
Sim. Clarice cozinha bem.
Mas ela não cozinha nem pra ela mesma.
Não por falta de habilidade – por pura preguiça existencial e pela incapacidade de lavar três panelas sem questionar o sentido da vida.
No restaurante, descobriu que o calor da cozinha não era metafórico.
Era físico, abrasivo, infernal.
Saiu da primeira diária com a lombar pedindo aposentadoria e o ombro mandando um bilhete suicida.
Fez as contas: a diária não pagava nem a acupuntura necessária pra desinflamar as decisões erradas.
Cogitou, então, a mais antiga das soluções desesperadas:
Casar-se por estabilidade financeira.
Teve uma proposta concreta, aliás.
Um homem razoavelmente decente, com casa, carro e aposentadoria garantida.
Mas aí, no meio da fantasia de contas pagas e farmácia sem sacrifício, veio a lembrança aterradora:
— “Essa paz vem com um homem junto…”
E aí não deu.
Porque Clarice prefere a solidão do que o ronco alheio, e a escassez do que aguentar alguém que diz “gatona” com entonação de comercial de cerveja.
O jeito?
Continuar contando as próprias moedas.
Literalmente.
Ela tem um potinho com moedas de um real que, se bem administrado, paga um gás e dois chocolates meio amargos – o suficiente pra atravessar mais uma semana com dignidade moderada.
Clarice, geminiana de ascendente cética, já aprendeu:
Quando o horóscopo diz que o ano será “o seu”, isso geralmente significa que você vai virar figurante de uma tragédia cósmica com trilha de bossa nova triste.
Mas tudo bem.
Ela ainda acredita em pequenos milagres: como encontrar uma nota de vinte no bolso do casaco de inverno, ou uma amiga que convida pra jantar sem cobrar o preço em desabafo prolongado.
Enquanto isso, segue.
Um dia de cada vez, um real de cada vez, um café requentado de cada vez.
E no pano de prato da semana, bordou com ironia e resignação:
“Ano dos geminianos, sim. Do signo… da conta bancária, ninguém falou nada.”
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