Clarice já foi casada quatro vezes. Não tem vergonha disso, mas também não joga toda a culpa nos homens – embora alguns deles merecessem um tribunal dedicado só pra eles. O fato é que Clarice é geminiana, e a combinação entre inteligência, tédio e senso crítico elevado é explosiva. Quando o encanto acabava (geralmente no terceiro final de semana), ela começava a perceber que aquele “homem incrível” era só um primo mais bem-penteado do fracasso. E então, sem cerimônia, ela desistia. Como quem muda o corte de cabelo: não tá bonito, corta e segue.
Mas o terceiro marido… ah, o terceiro. Aquele foi um caso clínico. Não de amor, veja bem, mas de psiquiatria forense não resolvida. O sujeito de olhos de camelo, olhar lânguido, capaz de fazer você pensar que ele estava te enxergando por dentro – e talvez estivesse, só não se fazia ideia do que estava vendo.
Era inteligente. Muito. Inteligente o suficiente pra fazer você acreditar que ele sabia o que estava fazendo, até que… não. O homem tinha o dom de se cercar das piores criaturas da espécie humana: picaretas, golpistas, visionários do fracasso. Seus amigos eram como roteiristas de reality show barato – e ele achava todos geniais.
Clarice, mineira, desconfiada de nascença e sensata por trauma, observava. Tentava alertar. “Esse cara é roubada”, dizia para si mesma. Mas o marido camelo, sempre zen, sempre leve, era do tipo que conseguia se perder mesmo usando GPS. Não era distração – era talento. O mapa mandava virar à direita, ele virava à esquerda com convicção. Dava ré onde era pra avançar, entrava em contramão com a serenidade de um monge tibetano. Teve um dia, inesquecível, em que ele conseguiu errar tanto o caminho que foi parar numa comunidade onde claramente não era pra estar. Clarice, tensa, olhou ao redor e perguntou, meio em pânico:
— “Você percebe que estamos completamente perdidos, né?”
E ele, com aquele olhar mole de quem acabou de sair de um banho morno, respondeu:
— “Aproveita a paisagem.”
Mas, o universo só respondia com boletos!
Ele abriu sete negócios. Faliu oito. Emprestou dinheiro a três pessoas que sumiram e, quando Clarice perguntava, ele piscava devagar e dizia:
— “Ué, emprestei mesmo, o irmão estava necessitado…”
Como quem esquece um guarda-chuva, não dez mil reais.
Mas o pior, o mais perverso de tudo, é que Clarice e ele criaram um projeto social juntos. Lá no começo, quando os olhos dele ainda pareciam sinceros e a burrice ainda vinha disfarçada de esperança. Treze anos depois – dos quais seis já divorciados – Clarice ainda trabalha com ele.
Sim, porque destino não se escreve com tinta, mas com ironia.
Ele segue ali, ao lado dela, drenando suas últimas reservas de sanidade, como se a partilha de bens tivesse incluído também a partilha do juízo. Clarice toma resiliência com açúcar refinado. Ele chega atrasado, perde papéis, esquece reuniões e ainda diz que ela “precisa ser mais maleável com os ciclos da vida”.
E então veio o ápice. A cereja podre no bolo mofado do carma.
Numa terça-feira comum, Clarice recebe uma mensagem dele – tom seco, ríspido, quase militar. Algo totalmente fora do personagem, já que ele sempre foi doce, quase caramelo derretido no sol (da irresponsabilidade). A mensagem dizia:
“Você deve começar a juntar bastante dinheiro e guardar numa poupança. Vou precisar em breve pra quitar algumas dívidas.”
Só isso. Sem “olá”, sem “tudo bem”, sem emoji de camelo.
Clarice leu. Releu. Achou que fosse trote. Depois pensou: Será que ele acha que meu CPF é um cofrinho?
Ficou olhando para a tela como quem contempla a natureza crua da loucura.
Ela não respondeu. O que responder? “Claro, querido, vou vender um rim e te aviso quando cair a TED?”
Ou: “Excelente sugestão. Inclusive, tô guardando também pra pagar a terapia que você me fez precisar.”
Não. Clarice apenas fechou o celular, abriu o armário, pegou uma barra de chocolate com 90% de frustração e 10% de cacau, e escreveu no pano de prato da semana:
“Casamento é um contrato. Divórcio é livramento. Parceria depois disso? É insanidade continuada.”
E voltou ao trabalho. Porque o projeto social ainda existe. Porque ela ainda acredita nas pessoas. Só não nos maridos. E muito menos nos ex-maridos com déficit de memória financeira e autoestima empresarial tóxica.
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