Dona Clarice sempre foi uma artista. Uma daquelas artistas de verdade, não essas que fazem tutorial no TikTok e se autoproclamam “criadoras de conteúdo”. Ela bordava como quem respirava: natural, impecável e, claro, completamente fora de moda.
Aos quarenta e sete anos, Clarice era um espetáculo de resiliência e ironia. Trabalhava de tudo um pouco – secretária por aplicativo, acompanhante de passeio de cachorro, vendedora de cosmético vegano (que ela secretamente odiava porque dava alergia). No currículo da vida, ela já era PhD em “Faz Tudo Menos Dinheiro”.
Mas seu verdadeiro talento estava nas linhas e agulhas. Suas peças eram tão perfeitas que pareciam ter sido bordadas por alguma fada desempregada de conto de fadas falido. “Que trabalho lindo!”, diziam todos, enchendo o peito de admiração… e esvaziando o carrinho de compras. Porque no mundo contemporâneo, “lindo” não vale um real. Literalmente.
Clarice tentava não ser amargurada. Tentava. Mas, cada “Nossa, que dom maravilhoso!” sem uma carteira sendo aberta era como mais um ponto cruz no tapete da decepção. E enquanto o algoritmo vendia almofadas horrorosas feitas na China a preço de banana, ela se perguntava se não era o caso de bordar sua própria mortalha.
Procurar emprego formal? Uma piada. Primeiro, porque qualquer vaga que pagasse o suficiente para comprar um café sem precisar parcelar exigia que a candidata tivesse menos de trinta anos, quatro línguas fluentes, a bunda da Jennifer Lopez e a disposição de um golden retriever em dia de praia. E segundo, porque Clarice, com seu charme ácido e sua opinião sobre “líderes de equipe de 23 anos que não sabem a diferença entre lápis e lapiseira”, não durava duas reuniões.
Aposentadoria? Clarice gargalhava só de ouvir a palavra. Durante anos, ela viveu o romantismo da informalidade: “seja dona do seu próprio tempo!”, “viva seus sonhos!” – papo furado patrocinado, claro, por gente que tinha pai pagando plano de saúde. Agora, seu próprio tempo parecia querer ser dono dela, e o aluguel ainda chegava com uma pontualidade de relógio suíço.
Outro dia, sentada na feira de artesanato (aonde foi vender sonhos e voltou com insolação), Clarice teve uma epifania: talvez o futuro fosse mesmo ser uma velha excêntrica, daquelas que a vizinhança chama de “artista maluca”, e que a prefeitura ameaça despejar “por causa das plantas” (e dos gatos, e dos bordados pendurados na varanda como bandeiras de um país que nunca existiu).
Ou talvez, quem sabe? – ela devesse fazer um curso rápido de marketing digital e virar influenciadora de bordado: “5 dicas para vender sua arte sem vender sua alma!”… Mas daí ela pensou melhor: já era tarde demais para perder a alma. E bordou essa frase num pano de prato.
Vendeu por 15 reais para uma moça que disse: “Ai, que irônico, né? Adorei o conceito!”
Sem saber se ria ou chorava, Clarice deu de ombros. No fundo, já era especialista em costurar retalhos de esperança.
Elza Marcato
Minha afilhada querida e cáustica como a madrinha.
A Clarice é loura, cabelos lindos, olhos coloridos e olhar afiado.
Conheço essa Clarice desde o seu primeiro sorriso.
Adorei !
Bordado Enluarado
Madrinha, querida! Que bom ter você por aqui! Essa Clarice teve (e tem) exemplos de mulheres fortes, inteligentes e muito bem humoradas… agradeço a Deus por compartilhar minha jornada neste mundo na sua família <3