Clarice já não se concentrava em nada. Nem nas coisas boas – que, convenhamos, hoje em dia já são poucas – nem nas ruins, que continuam se multiplicando como coelho sem freio. A vida tinha virado um “loading” eterno, aquele circulozinho rodando na tela do cérebro.

Decidiu, então, fazer a viagem exótica ao postinho de saúde da cidade. Postinho de interior é passeio turístico: você encontra a vizinha fofoqueira que da fé da vida de todo mundo, o senhor que ensina dicas de matar aquela praga da sua horta, e a recepcionista que parece ser mais famosa que atriz de Hollywood.

A médica era uma fofa: loirinha, menos de 30 anos, sorriso de catálogo de pasta de dente. Parecia mais influencer de skincare do que profissional treinada para ouvir confissões existenciais. Clarice abriu o coração: preocupação, angústia, aquele vácuo de interesse por absolutamente tudo, do trabalho ao último episódio da série que ela fingia gostar. A médica ouviu com cara de Spotify no modo gratuito (um ouvido pega, o outro pula) e sentenciou com entusiasmo clínico:

— Vamos de Prozac?

Clarice falou do seu interesse no óleo de cannabis, mas a moça fez aquela cara de quem chama capim-cidreira de “droga pesada” e acha que chá tem que vir com selo da ANVISA.

Comprou o Prozac – porque Clarice tenta… Tomou. Uma semana depois, descobriu o efeito colateral mais honesto da bula: a vontade de morrer. Não por depressão, mas porque a sensação era de estar participando de um reality show onde o prêmio final era… continuar tomando Prozac. O remédio transformava a vida em uma novela ruim e, diante disso, realmente, a morte parecia um entretenimento mais honesto.

Desistiu e tentou terapia. Três terapeutas. Em cada um, o mesmo enredo: começar do parto (“era uma vez Clarice”), contar os traumas em parcelas semanais, esperar alguma iluminação. Muitas sessões. Nada. A impressão era que os terapeutas, além de não terem entendido absolutamente nada sobre Clarice, queriam transformá-la em funcionário do mês: um robô sorridente, com tristeza suficiente apenas para não esquecer de pagar o boleto.

Porque na sociedade moderna, tristeza não é mais sentimento é falha de caráter (ou defeito de fábrica). Se você chora, não precisa de abraço: precisa de CRM atualizado, planilha preenchida e antidepressivo na caixinha. “Felicidade obrigatória” virou a nova religião; e quem não sorri paga penitência no postinho.

Clarice sempre achou a tristeza útil. É ela que cutuca, que manda você largar o emprego, terminar o casamento, mudar de cidade. É ela que diz: “minha filha, desse jeito não dá”. Mas o mundo não quer mudança – o mundo quer funcionário resiliente, sorridente e, de preferência, dopado.

No fim, Clarice largou tudo: médicos, terapeutas, comprimidos. Voltou para o bordado. Porque bordar, ao menos, tem lógica: se erra o ponto, você desmancha e recomeça. Pena que a vida moderna não oferece essa opção: a gente erra, sorri, posta uma selfie e engole o Prozac.

A almofada de hoje vem com a frase bordada: “Felicidade obrigatória é a nova depressão.”