Clarice acordou com o alarme da dignidade estourando no ouvido. De novo. Era notícia. Outra. Mais uma. Donald Trump havia dito algo tão estúpido que o cérebro de Clarice ameaçou pedir as contas e mudar-se para o fígado.
– Ele não cansa, né? – murmurou ela, lembrando de um matuto que um dia se referiu ao capeta dizendo “o laranja que é o perigoso!” e enfiou na boca a colher no iogurte com a violência de quem queria que fosse o botão de autodestruição do planeta.
Porque, veja bem, Clarice já suportou muita coisa. Político corrupto, influencer fitness que acredita que agrião cura AVC, coach de prosperidade vendendo a fórmula mágica de ficar rico, mas com o nome do SERASA. Mas Trump? Trump é outro nível. Trump é tipo se o algoritmo do Twitter tivesse comido fast food estragado e cuspido um presidente.
Essa semana, ele sugeriu – com a confiança de quem não terminou o ensino médio, mas herdou uma fortuna e um ego do tamanho da estátua da Liberdade – que queria abolir a Constituição. Sim, aquela coisa básica que até um estudante de colégio decoraria.
E não foi a primeira. Nem será a última.
Teve também a sugestão de beber desinfetante contra vírus. Clarice lembra. Ela teve que tomar antiácido por três dias depois daquilo.
E como se não bastasse brincar de tirano doméstico, agora resolveu estender os delírios geopolíticos. Trump, com aquele jeitinho americano de quem acha que o planeta é extensão do próprio quintal, declarou que os Estados Unidos deveriam explorar as terras raras do Brasil como se fossem um velho depósito esquecido na garagem da família Bush.
Clarice quase cuspiu o café no tapete.
Mas antes que ela pudesse juntar os cacos da vergonha alheia, veio a resposta do Lula: “Isso aqui não é casa de mãe Joana.”
Clarice aplaudiu sozinha na cozinha. Finalmente alguém verbalizou o que o hemisfério sul todo grita em silêncio há anos. Que fique claro: terras raras não são brinde de férias imperialista.
E o mais interessante é que, mesmo depois de ser expulso da presidência pela porta dos fundos da vergonha internacional, ele continua. Continua como aquele tio do churrasco que ninguém convida, mas aparece com um boné escrito “Make Churrasco Great Again” e um pacote de teorias conspiratórias vencidas.
Clarice, que já não tem paciência nem pra quem chega atrasado com desculpa de trânsito, se pergunta: como é possível que milhões de pessoas ainda batam palmas pra esse desfile de delírios em forma de ser humano? Alguma coisa ali na psique coletiva quebrou e ninguém achou o botão de reset.
Mas o mais chocante, mesmo, é a naturalização da estupidez. A estupidez virou plano de governo, virou discurso, virou camiseta. E o Trump? Ele ri. Porque pra ele, quanto mais absurda a frase, mais manchete ele ganha. É o velho truque: grite o suficiente e alguém vai achar que é sabedoria.
Clarice termina o café. Desliza o “feed de notícias” para baixo. E lá está ele, de novo, com aquela cara de quem trocou o cérebro por um emoji de banana e se sente muito confortável com isso.
Ela respira fundo. Enrola o lenço na cabeça. E sai pra viver num mundo onde ex-presidentes vendem NFTs com sua imagem de super-herói. Porque, afinal, quem precisa de ficção quando se tem a realidade?
Xenia Pessoa
Clarice é politizada, das nossas. Uma mana!
Bordado Enluarado
Clarice é das nossas mesmo… beijo, Xenia, bom ter você aqui <3